Vá a merda, que eu tô soltando a franga

Foi um período de um longo silêncio. O que vou colocar aqui me expõe completamente, mas é cômodo pra uma cambada sanguinária que eu me cale. Ah, depois de tanto tempo com alguns gritos abafados, que retalhou o que havia de mais íntimo em mim… Rá, rá… tenham cuidado seus machistas escrotos, sua cambada de heterossexuais com a sua boca suja de falso moralismo e com a sua fé fraca e abalada! Porque agora, depois de atravessar esse calvário, a minha fé é cega e a minha faca é amolada!

Desde que eu me entendo por gente, sou homossexual! Tinha trejeitos, era afeminado, gostava mais da Xuxa do que do Rambo, gostava mais de brincar de casinha do que jogar bola. A violência que o machismo imprimiu em mim, remota das relações mais primárias. Com os meus familiares, com as professoras de ensino pré-escolar e primário, com outras crianças como eu era. No meio a tudo isso, nunca me ensinaram a reagir. Nunca aprendi a reagir também. Levei esses açoites normativos do ser macho silenciosamente. Tornei-me e fui tornado frágil. Convenientemente dócil.

Tanta docilidade ainda quando criança, com cinco ou seis anos de idade, fui vítima da forma mais vil que uma pessoa poderia. Ser criança, ter um quadril grande, usar sunga e ter trejeitos não me tornava um corpo-objeto acessível. Por mais que eu já tivesse desejo pelo mesmo sexo, era um desejo infantil e prematuro. Eu estava fazendo o que qualquer criança da minha idade fazia. Eu estava brincando e não me exibindo e tampouco provocar alguém. Não tinha em mim um rótulo escrito: abuse! Mas fui encurralado e aconteceu. Emudeci.

Fui crescendo. Mesmo sendo tão visível o que eu era, os comentários entre as pessoas que eu mais amava exalava o mais pútrido discurso homofóbico. Aquelas palavras me feriam mais que uma lâmina transpassada por todo o meu corpo. Diante de tudo aquilo, só aprendi a me reprimir e a emudecer. Cheguei tantas vezes a me odiar porque era assim! E com todas as minhas características, que me acompanham desde sempre, uma outra pessoa, só que dessa vez muito próxima, também pensou que eu era um corpo-objeto. E no mais covarde jogo de poder, eu, com apenas 14 anos de idade, fui abusado novamente. Muitas e muitas vezes pela mesma pessoa. Mais uma vez, emudeci.

Dos 14 aos 24 anos, vivi no mais completo estado de reclusão do que era. Não tive namorinhos. Não tive ficas. Não paquerava. Eu tinha muita vergonha de mim, do meu desejo.

Apenas com 24 anos de idade, resolvi que era o tempo de desabrochar e encarar uma vida sexual de forma consensuada. Conheci o rapaz pelo qual fui apaixonado dos 24 aos 30 anos. Vivemos a maior parte desse período apenas entre um encontro e outro. Rompemos. Também por causa do machismo (dele). Já superado dessa história, ele retorna com uma proposta de amor. Consensuamos como seria essa relação. Eu fui o melhor que pude ser: proporcionei sigilo, fiz da minha casa a casa dele, “emprestei dinheiro”, dei dinheiro quando ele me dizia estar precisando para algo muito sério. Não porque era burro e idiota, mas numa relação é assim, a gente vai cuidando um do outro.

Eu assumi o risco de viver um relacionamento com uma pessoa que não assumia comigo uma relação homoafetiva por amor! Poderia ter sido muito bom, se tivesse havido respeito mútuo. Mas da parte dele teve apenas descaso, falta de cuidado, desamparo, imprudência e o mais profundo desrespeito comigo e com o que sentia. Tão grande era o que ele me fazia (e sim, eu permitia, mas eu estava apaixonado – meu único erro) que foi causando um dano psicológico em mim. Um dano permanente.

Ansiedade, pânico, depressão, surtos… E tantas vezes eu tentei conversar, dizer que não estava bem, dizer que queria diferente. Fui silenciado! Tão cretino, mal-caráter e cínico ele era, que na medida que eu proporcionava as coisas a ele, sabendo que era eu me movendo para dar um caráter de seriedade à relação, que ao invés de chegar pra mim e dizer: “cara, eu não posso, ou não quero ter um envolvimento sério com você”, ele recebeu tudo que eu tinha para dar como seu eu fosse realmente a pessoa pela qual ele estava se envolvendo seriamente. Nessa relação destrutiva, a única pessoa que foi destruída fui eu: perdi emprego, perdi a casa que morava, perdi saúde mental e física… Estávamos juntos. Ele testemunhou tudo isso. Todas as minhas quedas. Depois que eu perdi tudo e nada mais tinha a oferecer, sim, o óbvio, ele rompeu comigo.

Ferido. Eu passei a me odiar novamente. A odiar a minha vida. A odiar quem eu sou. Depressão. Muitos surtos. Muitas tentativas de suicídio. Eu apenas não desejei, mas tentei me eliminar. Tratamento. Terapia. Muitos remédios. Elaborações… O tempo vai passando, não sem doer, mas vai passando…

Ontem a noite, conversando com meu pai, pessoa a quem sou muito grato por toda a força e pelo abrigo que ele me deu, levantei a hipótese “e se eu começasse a me relacionar com outra pessoa…”. Bastou dizer isso que a minha atual fortaleza (a minha relação com o meu pai), ruiu!

Sou o homossexual aceito pela família, desde que eu não envolva os meus relacionamentos com ela. Qual o sentido de ser homossexual então? Reprimir? Calar? Esconder?

NUNCA MAIS!

Eu reagi. Eu gritei.

E reagi não por causa do amor a uma pessoa que ainda nem existe em detrimento de meu pai. EU REAGI POR MIM! POR QUEM EU SOU! A QUEM QUER QUE SEJA, ENGULA: EU SOU HOMOSSEXUAL! VOU CHAMAR A QUEM QUER QUE SEJA DE MACHISTA E HOMOFÓBICO SE OUSAR A QUERER ME GUARDAR NUM ARMÁRIO, NUM BOEIRO, NUMA LATA DE LIXO! EU NÃO ACEITO MAIS ESSE LUGAR! HOJE EU TENHO ORGULHO DO QUE SOU! EU ME AMO DESSE JEITO! EU ME RESPEITO DESSE JEITO! E EU VOU SER DESSE JEITO E PRONTO!

Se para os meus pais, minhas avós, tios e tias, primos e primas, amigos e amigas for incomodo ser o que sou: AFASTE-SE! PORQUE VOU SER O QUE SOU E VOU FICAR APENAS COM QUEM QUER QUE EU SEJA O QUE EU SOU! VÁ A MERDA, QUE EU TÔ SOLTANDO ESSA FRANGA DE VEZ!

EU PREFIRO PASSAR FOME, NÃO TER PARENTE E NEM ADERENTE DO QUE NEGAR O QUE EU SOU! SOU GAY! E DAÍ? É UMA NECESSIDADE DE AUTO AFIRMAÇÃO TÃO URGENTE COMO BEBER ÁGUA, QUANDO SE ESTAR COM MUITA SEDE!

E por mais que eu esteja soltando todos os gritos, alguns ainda estão camuflados! Aos que abusaram de mim, se não me trouxesse um problema muito maior, porque sim, O NOSSO JUDICIÁRIO É MACHISTA E HOMOFÓBICO, comedor de criancinha, eu abria o berreiro e começava a divulgar nomes, com foto e com a faixa: CUIDADO! MACHISTA ESCROTO SUPER PERIGOSO! Ao canalha, cínico, escroto e mal caráter que abusou da minha boa fé, esse eu tenho vontade de dizer aos quatro cantos quem é! Só pra pagar todo o sofrimento que passei e ainda estou com as sequelas! Não faço, porque divulgar o nome com quem você teve uma relação homoafetiva em clandestinidade se configura em crime contra a honra, como difamação! PALHAÇADA! E não, eu não devo nenhum respeito a ele. E se eu não tivesse que sofrer um processo por desonra, quando eu não tenho nem como processá-lo porque sofri enormes danos psicológcos, morais e materiais, EU PANFLETARIA SUA FOTO E SEU NOME PELOS QUATRO CANTOS DO MUNDO! Não por achar vergonhoso ter uma relação homoafetiva, mas por ter vegonha de como uma pessoa age de uma forma tão cruel e achar ainda que é legítimo.

Pra que tanto ódio Tiago? ACHOU POUCO O QUE JÁ PASSEI? É ÓDIO MESMO! BEM FUNDAMENTADO E MARCADO NA MINHA HISTÓRIA E NO MEU CORPO! VÁ SE LASCAR COM O SEU DISCURSO PAZ E AMOR! O CORPO QUE APANHA UMA HORA GRITA! E EU ESTOU GRITANDO!

Que me desculpem meus amigos e amigas heterossexuais, meu ódio não é contra vocês. Meu ódio é dessa heterossexualidade posta como norma! Meu ódio é desse machismo que nos violenta todos os segundos, marcando nossos corpos, nossas mentes e nossos corações! Uma violência que é dolorida em suas mais variadas expressões: da pancada às suas formas silenciosas.

EU ESTOU ROMPENDO COM A CONVENIENTE DOCILIDADE! COM OS DESFARCES! QUEBRANDO AS PORTAS DOS ARMÁRIOS! RASGANDO O CASULO! EU ESTOU DECLARANDO UMA GUERRA MUITO SÉRIA AO MACHISMO E À HOMOFOBIA! E se isso dói em você, acho muito pouco! EU QUERO MAIS QUE TODO (OU TODA) MACHISTA E HOMOFÓBICO(A) SE EXPLODA, e por favor se você é isso, mantenha distancia de mim.

2 pensamentos sobre “Vá a merda, que eu tô soltando a franga

  1. Chorando. Por você e por todxs que sofrem por conta desse sistema cruel e sanguinário. Pelos abusos que sofreu, pelo silenciamento, pelas traições dos seus mais puros sentimentos.

    Respeito sua dor e sua raiva, legítimas e necessárias. Estou longe mas para o que der e vier.

    Beijos

  2. Li todo o texto. Minha sensação principal foi de um grande orgulho por conhecer o autor dele. E um grande alivio pelo alivio que você demonstrou na liberdade de se poder ser o que si é. Seja quem você é com toda a dignidade e respeito por si que você sabe que merece. E nunca mais suporte tanta coisa calado, amigo não é só pra enfeite não viu, mesmo a distancia também podemos ajudar um ao outro. Meus parabéns Tiago, estou derretida em orgulho de você.

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